terça-feira, 11 de outubro de 2011

Povo Guarani Kaiowá realiza encontro em MS e divulga manifesto contra violência

Diante dos atos de violência e barbárie cometidos contra  o Povo Guarani Kaiowá nos últimos meses em Mato Grosso do Sul, a Aty Guasu (Grande Assembléia Guarani Kaiowá) realizou reunião extraordinária, no mês de outubro, para  discutir medidas a serem tomadas para coibir  os ataques , cada vez mais frequentes, patrocinados pelos grandes latifundiários do estado, interessados em retardar o processo de demarcação de terras.

Leia  abaixo a  íntegra do documento final do encontro:


MANIFESTO

REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DO CONSELHO DA ATY GUASU
POVO KAIOWÁ E GUARANI – TERRA INDÍGENA JAGUAPIRÉ


Nós, lideranças das comunidades Kaiowá e Guarani, nos reunimos de forma extraordinária na Terra Indígena Jaguapiré, município de Tacuru - MS, para discutirmos as medidas a serem tomadas em função dos recentes ataques violentos em várias áreas onde nosso povo encontra-se mobilizado em luta pela reconquista de nossos tekoha.

Desde agosto, nossos parentes de Pyelito e Mbarakay estão sob ataque constante de homens armados a serviço dos fazendeiros da região entre Tacuru e Iguatemi. Nem a presença de representantes da Funai, do Ministério Público Federal e da própria Polícia Federal tem sido suficiente para garantir a segurança dos indígenas. Em vez de recorrer à Justiça, os fazendeiros preferem usar de violência para reprimir nossa manifestação pacífica. O grupo tem sido atacado até mesmo à luz do dia, e já há vários feridos. Tememos que algo pior possa acontecer.

Em 21 de setembro, a Justiça Federal ignorou os apelos nacionais e internacionais e determinou o despejo dos 146 moradores de Laranjeira Nhanderu, acampamento em Rio Brilhante (MS). A demora na conclusão e publicação do relatório de identificação das áreas reivindicadas pelo grupo tem gerado sofrimento e angústia desde 2007, quando a comunidade ocupou pela primeira vez a área. Até mesmo um órgão federal como o DNIT se voltou contra nossos parentes e, agora, também por decisão judicial, a comunidade não pode permanecer nem mesmo na beira da rodovia federal ao lado da fazenda que reivindicam como tekoha, para protestar pacificamente. A Justiça sugere que a comunidade se mude para um terreno sem as mínimas condições para ser habitado, na periferia da cidade, mas se esqueceu de ouvir a opinião dos indígenas a respeito.

Em 27 de setembro, em Ypo'i, no município de Paranhos, o indígena Teodoro Ricarte foi barbaramente morto por um homem reconhecido pela comunidade como funcionário de uma das fazendas que hoje incidem sobre seu tekoha. Apesar de contarem com autorização judicial para permanecerem em seu acampamento à espera da identificação, pela Funai, da terra que reivindicam, os Guarani de Ypo'i, como os de tantos outros grupos guarani-kaiowá, vivem um cotidiano de terror.


Essa sequência de episódios recentes nos levou à convocar essa reunião extraordinária, focada na situação das áreas guarani-kaiowá em conflito. Os episódios acima relatados são apenas a parte mais visível de um grande conjunto de violências que são sofridas cotidianamente pelos que se encontram em acampamentos ou áreas em litígio, esperando, muitas vezes, durante anos, pela boa-vontade do governo ou da Justiça brasileira.

Depois de nos reunirmos para debater entre nós sobre esses últimos acontecimentos, chegamos às seguintes conclusões:


 
1 – Vamos continuar a pressionar os órgãos públicos pela rapidez na conclusão do processo de identificação de nossas terras. Passados mais de 30 dias da última Aty Guasu, ocorrida no Paso Piraju, em Dourados, esgotou-se, mais uma vez, o prazo que havíamos dado para a conclusão dos trabalhos de identificação pelos GTs da Funai, iniciado em 2008, sem que se tenha avançado nem um único passo. Diante disso, queremos manifestar nossa indignação e denunciar mais esse descumprimento de acordos firmados publicamente com nosso povo. Alertamos que mais demora nesse processo poderá levar a novas perdas de vidas como a de Teodoro;

2 – Para prevenir novos ataques nas áreas em conflito, vamos formar uma rede de proteção, por meio da qual as comunidades vão se apoiar mutuamente para garantir sua segurança;

3 – Requisitamos urgentemente uma presença efetiva das forças policiais nessas áreas. Chamamos a atenção para o fato de que as ações da Polícia Federal e da Força Nacional não têm sido suficientes para coibir as ações violentas dos fazendeiros da região contra nós. Solicitamos que a Secretaria de Direitos Humanos, órgão do governo federal, com suas respectivas comissões, elabore um cronograma de monitoramento contínuo na região, com visitas bimestrais às áreas em conflito, particularmente as que estão localizadas na região de fronteira, com acompanhamento de efetivo policial;

4 – Recebemos com otimismo as notícias sobre o avanço das negociações na comissão instituída pelo Conselho Nacional de Justiça com a finalidade de buscar soluções concretas para as demarcações de terra em Mato Grosso do Sul. Esperamos que o CNJ se empenhe para efetivar os caminhos jurídicos visando ao reconhecimento de nossos territórios tradicionais e o pagamento de indenizações aos ocupantes não indígenas de boa fé incidentes em nossos territórios sem que isso signifique qualquer modificação de nossos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT;

5 – Informamos que tivemos notícia do Projeto de Lei 78/2011, de autoria do deputado Laerte Tetila, com a finalidade de criar um “Fundo Estadual para Aquisição de Terras Indígenas” e que, oportunamente, vamos convocar uma discussão do Conselho da Aty Guasu para chegar a uma conclusão sobre essa proposta. Adiantamos que não está em negociação, em nenhuma hipótese, o direito constitucionalmente garantido às nossas terras tradicionais, tanto as já identificadas como as que se encontram em procedimento de identificação;

6 – Chamamos, uma vez mais, a atenção de toda a sociedade civil nacional e internacional para a grave situação vivida pelos povos indígenas de Mato Grosso do Sul e, particularmente, os Guarani-Kaiowá. Agradecemos a todos os apoiadores da causa indígena pela solidariedade recebida. Não descansaremos enquanto não tivermos de volta TODAS as nossas terras tradicionais.

Tacuru-MS, Aldeia Jaguapiré, 08 de outubro de 2011.

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